
Funcionário da Prefeitura de Corumbá estaria envolvido com a grilagem de terras urbanas de populares e famílias pobres, em Corumbá. | Créditos: Drone: MS Diário / Divulgação
Publicado em: 15 de Maio, 2024 | Fonte: Fábio Marchi
Corumbá - A era do contrato de gaveta ou “de boca” acabou definitivamente, na Cidade Branca: uma quadrilha da Capital especializada em “usucapião” - um meio jurídico pelo qual alguém pode adquirir propriedade de um bem imóvel através da posse contínua, pacífica e ininterrupta desse bem por um período de tempo determinado por lei - está tomando, na Justiça, a propriedade de populares que residem e possuem posse de seus imóveis há quase 30 anos, tudo porque essas famílias não fizeram o registro dos seus imóveis em cartório, em uma prática conhecida como “grilagem” de terras urbanas.
“GRILAGEM URBANA”
A denúncia recebido pelo MS Diário se refere à uma área localizada no bairro Aeroporto, no extremo leste da cidade de Corumbá - uma área bem popular (inclusive com a presença de um conjunto habitacional popular), sem casas luxuosas, nem comércio abrangente - porém, com muitos lotes ainda vazios.
Segundo “Márcia” (nome fictício, pois ela não quer se identificar temendo represálias), autora da denúncia, afirma que o motivo das ações é porque o terreno do local se valorizou, pois está próximo da fronteira boliviana e essas áreas são muito procuradas pelos bolivianos - e imobiliárias e corretores “espertinhos” estão se aproveitando disso:
“Nossa família vive aqui há pelo menos 30 anos. Foi só asfaltar a nossa rua, que apareceram “donos” para as nossas casas. Como que alguém que mora em Campo Grande e nunca apareceu aqui, iria ter posse do local que a gente vive? Isso não é justo!”
A “GRILAGEM” COM APOIO DE FUNCIONÁRIO DA PREFEITURA DE CORUMBÁ E DE IMOBILIÁRIA LOCAL
A formação de quadrilha denunciada por Márcia fica mais evidente, quando sabe-se que, dentro do grupo de grileiros que atuam na área urbana de Corumbá possui um integrante que é funcionário público comissionado da Prefeitura Municipal de Corumbá (Assessor Governamental), lotado na Secretaria Municipal Desenvolvimento Econômico e Sustentável.
Márcia diz que a vizinhança começou a desconfiar, quando um funcionário da Prefeitura de Corumbá passou a frequentar a rua, batendo fotos e levantando informações sobre os moradores do local, quase que diariamente.
“Depois fomos atrás e ficamos sabendo que esse funcionário da Prefeitura é um assessor do Prefeito (comissionado). Nós só soubemos porque é ele que aparece como procurador de uma mulher de Campo Grande que está tomando as propriedades da minha família e dos vizinhos daqui, com ações de usucapião lá em Campo Grande” - emendou.
Funcionário da Prefeitura de Corumbá seria procurador de grileiros de Campo Grande e também teria envolvimento com imobiliária local, para revender o produto da grilagem. Servidor é comissionado, Assessor Governamental lotado na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Sustentável. | Créditos: Divulgação
COMO FUNCIONA A AÇÃO DAS QUADRILHAS DE GRILEIROS URBANOS?
Veja como funciona o modus operandi de uma típica quadrilha de grilagem de terras urbanas:
Identificação de Áreas Desocupadas ou Subutilizadas:
Primeiro os grileiros identificam terrenos urbanos que estão desocupados, subutilizados ou com documentação irregular. Isso pode incluir áreas públicas ou privadas, como lotes vazios, terrenos baldios, áreas de preservação ambiental, entre outros. No caso dos grileiros que assediaram a família de Márcia, existe a cumplicidade de um funcionário público que pode estar levantando essas informações de dentro da instituição pública, no caso, a Prefeitura. A família de Márcia apesar de ter comprado o terreno de boa-fé do proprietário original, ficou apenas com um recibo de compra e venda e não documentou o terreno no nome do comprador, no caso do pai de Márcia.
Falsificação de Documentos ou Uso de Documentação Irregular:
Depois, Para obter posse sobre essas áreas, os grileiros muitas vezes recorrem à falsificação de documentos, como escrituras, certidões de propriedade ou contratos de compra e venda. Eles também podem se apropriar de documentos legítimos de forma fraudulenta, por meio de suborno, coação ou outros meios ilícitos. Esse caso da família de Márcia o caso é grave, porque os grileiros usaram uma ação de USUCAPIÃO, como se eles tivessem a posse do imóvel por mais de 15 anos - coisa que não aconteceu, é uma inverdade.
Ocupação e Construção Ilegal:
Com os documentos falsos em mãos, os grileiros ocupam ilegalmente o terreno e iniciam a construção de imóveis, muitas vezes sem autorização dos órgãos competentes e sem seguir as normas urbanísticas e ambientais vigentes. Essa ocupação irregular pode incluir a instalação de moradias, comércios ou empreendimentos clandestinos. No caso da família de Márcia, as vítimas já moravam no local, então os grileiros entram com ações de reintegração de posse, forçando as pessoas a saírem dos seus imóveis, conquistados de boa-fé.
Venda Fraudulenta dos Imóveis:
Uma vez estabelecida a ocupação ilegal, os grileiros podem proceder à venda dos imóveis a terceiros, muitas vezes a preços abaixo do mercado para atrair compradores desavisados. Eles podem apresentar os documentos falsificados como prova de propriedade, induzindo os compradores a acreditar que estão adquirindo um imóvel legalizado. No caso da família de Márcia o problema é mais grave ainda, porque a Justiça ACEITOU a requisição de propriedade dos grileiros e os terrenos e imóveis já estão à venda nas redes sociais por intermédio de anúncios de uma imobiliária local.
Conflitos e Litígios Posteriores:
À medida que a ocupação ilegal se torna conhecida, podem surgir conflitos de terra entre os grileiros, os compradores e os verdadeiros proprietários legais. Esses conflitos geralmente resultam em litígios judiciais prolongados e custosos, envolvendo disputas de propriedade, remoção de ocupantes ilegais e busca por reparação de danos - ações cansativas que podem demorar muitos anos. Como esses grileiros são quadrilhas especializadas no ramo, então eles possuem experiência, recursos e meios jurídicos para postergar as contendas - e as vítimas acacabam desistindo dos processos.
Área virou alvo de grileiros depois que asfaltaram ruas e alamedas. | Créditos: Fábio Marchi
SUSPEITAS E CONTRADIÇÕES
Segundo áudio fornecido pelas vítimas, mulher teria assumido, em um audio, que o avô dela teria vendido esses terrenos - corroborado para o que as vítimas vem alegando. Segundo Márcia, essa mulher teria “um acordo” para oferecer para as vítimas: que elas comprassem novamente seus próprios imóveis, algo absurdo - tendo em vista que o pai e o marido das vítimas já teria comprado o terreno, há 30 anos.
No áudio, a mulher admite que o avô vendeu alguns terrenos “há muito tempo” e que um “funcionário da Câmara” (Câmara Municipal e Corumbá) seria seu “homem de confiança” na cidade (na verdade é um funcionário da Prefeitura Municipal de Corumbá, cargo ASSESSOR GOVERNAMENTAL II, lotado desde Janeiro de 2021.)
Confira o áudio:
A grileira também aparece nessa filmagem feita no local, dizendo para as vítimas que “Juiz não quer saber de testemunhas”, dando a entender que a situação judicial já estaria resolvida e que o juiz não ouviria as vítimas, nem suas testemunhas - o que de fato, aconteceu, posteriormente. Confira o vídeo:
COMO ALGUÉM QUE MORA EM CAMPO GRANDE CONSEGUE 43 TERRENOS POR USUCAPIÃO, EM CORUMBÁ?
Márcia diz que não consegue entender como a Justiça foi tão rápida para decidir sobre as terras que sua família tem a posse, desde 1990:
“Essa mulher lá de Campo Grande conseguiu o usucapião da área onde minha mãe e meu pai tem a posse desde 1990. Elas moram na capital, não sei como conseguiram esse usucapião. Quando ela disse que tem alguém de confiança que cuida tudo pra ela, descobrimos que tem um funcionário da prefeitura que é procurador dela, Ele vendeu um terreno dentro da área da minha mãe, aparece bem o nome dele como procurador dela. Também ficamos sabendo que ele faz parte de uma imobiliária conhecida na região, essa mesma imobiliária que já está vendendo nossos imóveis nas redes sociais”.
SEM NOTIFICAÇÃO JUDICIAL
Márcia relata que teme pela saúde da sua mãe, já fragilizada:
“Temo pela minha mãe, que não merece isso, além de todos nós que já estamos estabelecidos aqui a tanto tempo e a pergunta que fica é, como ela conseguiu usucapião de uma área sem nunca morar aqui, sem que nós aqui tivéssemos recebido nenhuma notificação pelo oficial de justiça e o que disseram essas testemunhas pra ela conseguir documentar 2 quadras, praticamente inteiras?”
A própria Márcia relata que foi “despejada” da sua própria casa - construída no terreno da família, em um desses processos movidos pela mesma mulher da Capital. Márcia diz que entrou em desespero quando receberam a visita do Oficial de Justiça acompanhado de vários policiais, à noite (fora do horário estabelecido na lei) ordenando sua saída do imóvel e requisitando a entrega das chaves. Hoje Márcia mora com sua irmã, também ameaçada de perder o imóvel, pois a família toda mora na mesma área:
“No caso da minha casa, onde eu fui despejada, correu um processo à parte e o juiz não considerou a documentação que o advogado colocou no processo, com a desculpa de que o recibo que meu pai tem de 1990 não deixa claro que o terreno no qual está minha casa fazia parte da área - mesmo colocando a documentação de 2013 que um engenheiro agrônomo fez e assinou o mapa da área, colocando tudo dentro da área tem a posse desde 1990 e no mapa está claro que o terreno da minha casa está incorporado dentro do terreno que está sendo tomado de “usucapião”.
Carro da Prefeitura de Corumbá, no local - utilizado pelo servidor. | Créditos: Divulgação
Funcionário público aparece como procurador de grileira de Campo Grande, em uma venda de outro terreno pego como "usucapião", em Corumbá. | Créditos: Divulgação
43 TERRENOS DE CORUMBÁ NA “MÃO GRANDE”
A vítima afirma que passou a estudar sobre o assunto e a buscar mais processos envolvendo o nome da mulher que tenta tomar a todo custo o terreno que seu pai comprou há mais de 30 anos:
“Vi que ela conseguiu usucapião das 2 quadras aqui em Corumbá, lá por Campo Grande, foi um desembargador que deu ganho da causa pra ela. Não entendo com alguém que mora em Campo Grande consegue usucapião de 43 terrenos em Corumbá. Pra piorar o Desembargador colocou ainda no despacho dele que essa mulhertem posse plena e mansa por 15 anos! Pode uma coisa dessas? Conseguiu usucapião sem notificar ninguém aqui da área? Ninguém foi ouvido!"
E quando o festival de absurdos jurídicos parece não terminar, Márcia complementou:
“O juiz mandou minha mãe pagar as custas do processo - ela é professora, contratada temporária e cuida do nosso irmão, deficiente físico. E sabe o que é mais revoltante? Deferiu justiça gratuita para uma imobiliária, no processo! Como é que pode isso? Conceder justiça gratuita para uma empresa?”
Os principais alvos dos grileiros são os imóveis de pessoas simples, humildes e pobres. Bandido não mexe no imóvel de gente rica. | Créditos: Fábio Marchi
RECURSOS
Segundo Márcia, “mexeram com a família errada” e eles vão até o fim:
“O que essa quadrilha não imagina é que vamos fazer protestos, vamos denunciar no Ministério Público, vamos chamar a Polícia Federal, vamos gritar até alguém nos escutar. Ninguém vai tirar da gente o que é nosso por direito, não estamos mentindo, estamos falando a verdade, nunca tomamos nada de ninguém.”
Márcia finaliza:
“Os moradores do bairro aeroporto estão revoltados com essa situação e estão planejando um manifesto em frente ao Fórum para resolver essa situação que causa tanta indignação aos moradores antigos do bairro. Não vamos ficar calados. E vamos mostrar a cara de um por um, para que a população saiba quando esses aproveitadores estiverem espreitando suas casas, onde já se viu tomar terreno e casa de pobre, de gente humilde? Quero ver fazer isso com gente rica, de família tradicional de Corumbá! De pobre é fácil, né?
Terrenos de Corumbá estão sendo alvo de quadrilhas especializadas em "tomar" imóveis na esfera jurídica. | Créditos: Fábio Marchi
ENTENDA O QUE É USUCAPIÃO
Existem diversos tipos de usucapião previstos na legislação brasileira, cada um com características e requisitos específicos:
Usucapião Ordinário (ou Extraordinário):
Tempo de Posse: 10 anos de posse contínua e ininterrupta, independentemente de título ou boa-fé.
Requisitos: Além do tempo de posse, é necessário que o ocupante exerça posse mansa, pacífica e sem oposição durante esse período. O possuidor também deve ter ânimo de dono, ou seja, agir como se fosse o verdadeiro proprietário do imóvel.
Destinação do Imóvel: Pode ser usado para qualquer tipo de imóvel, seja rural ou urbano.
Usucapião Especial Urbano (ou Pro Moradia):
Tempo de Posse: 5 anos de posse contínua e ininterrupta, desde que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Requisitos: Além do tempo de posse, é necessário que o imóvel tenha área de até 250 m², seja utilizado para moradia ou atividade produtiva da família, e que o possuidor não tenha meios para adquirir a propriedade de forma regular.
Destinação do Imóvel: Deve ser exclusivamente urbano.
Usucapião Especial Rural:
Tempo de Posse: 5 anos de posse contínua e ininterrupta.
Requisitos: O possuidor deve explorar o imóvel rural de forma produtiva, atendendo às suas necessidades e de sua família, além de não ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano.
Destinação do Imóvel: Exclusivamente rural.
Usucapião Familiar:
Tempo de Posse: 2 anos de posse contínua e ininterrupta, desde que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel.
Requisitos: Destinado a famílias que ocupam áreas urbanas de até 250 m² para moradia, desde que não possuam outro imóvel e estejam na posse do local por dois anos.
Destinação do Imóvel: Deve ser exclusivamente urbano.
Usucapião Especial Coletivo:
Tempo de Posse: 5 anos de posse contínua e ininterrupta.
Requisitos: Destinado a grupos que ocupam áreas urbanas para sua moradia, de forma coletiva, com a intenção de constituir habitação ou moradia familiar.
Destinação do Imóvel: Deve ser exclusivamente urbano.
OUTRAS VÍTIMAS
O MS Diário vem recebendo relatos de outras vítimas que podem estar sofrendo desse mesmo problema de grilagem urbana, com as mesmas características: a rua é asfaltada, logo em seguida aparece alguém de uma imobiliária local para avaliar os terrenos e iniciar o processo de grilagem.
Se você está sendo vítima desse tipo de crime, registre um Boletim de Ocorrência na Polícia Civil, reúna toda a documentação necessária e entre com uma ação na Defensoria Civil e denuncie o fato ao Ministério Público Estadual, o mais rápido possível.
COMO EVITAR A GRILAGEM URBANA
Evitar a grilagem urbana de imóveis e terrenos pode ser um desafio, mas algumas medidas podem ajudar a reduzir os riscos. O MS Diário separou para você algumas sugestões:
Pesquisa e verificação de propriedade: Antes de comprar qualquer propriedade, realize uma pesquisa minuciosa sobre a propriedade e seus proprietários anteriores. Certifique-se de verificar os registros de propriedade no cartório de registro de imóveis local para garantir que não haja problemas legais ou disputas de propriedade.
Contratar profissionais qualificados: Considere contratar um advogado especializado em direito imobiliário e um corretor de imóveis confiável para ajudá-lo no processo de compra. Eles podem fornecer orientação especializada e garantir que todos os documentos e transações sejam legítimos.
Verificação da documentação: Examine cuidadosamente todos os documentos relacionados à propriedade, como escrituras, certidões negativas de débitos, licenças de construção, entre outros. Certifique-se de que todos os documentos estejam em ordem e que não haja discrepâncias ou inconsistências.
Inspeção física da propriedade: Antes de fechar qualquer negócio, faça uma inspeção física completa da propriedade para garantir que corresponda às descrições e às condições apresentadas nos documentos. Isso também pode ajudar a identificar possíveis problemas, como ocupações ilegais ou construções não autorizadas.
Vigilância e monitoramento: Esteja atento a qualquer atividade suspeita na área onde a propriedade está localizada. Isso pode incluir a presença de invasores, construções clandestinas ou tentativas de falsificação de documentos. Reporte qualquer atividade suspeita às autoridades competentes.
Participação comunitária: Engaje-se com a comunidade local e participe de grupos de defesa dos direitos dos moradores. Trabalhar em conjunto pode ajudar a proteger as propriedades contra a grilagem urbana e outras formas de atividades ilegais.
Conhecimento da legislação: Familiarize-se com as leis e regulamentos locais relacionados à propriedade e ao desenvolvimento imobiliário. Isso pode ajudá-lo a identificar quaisquer violações ou irregularidades e agir de acordo com a legislação aplicável.
Denúncia de atividades ilegais: Se você suspeitar de qualquer atividade ilegal relacionada à propriedade, denuncie às autoridades competentes imediatamente. Isso pode ajudar a interromper a grilagem urbana e proteger os direitos de propriedade na sua comunidade.
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