Pantanal MS
09 de Dezembro / 2024

A jovem Eneliz, seu bebê e o desabafo do seu pai: tragédia familiar. | Créditos: Redes Sociais

  • Publicado em: 15 de Fevereiro, 2024 | Fonte: Fábio Marchi

Corumbá - O grave problema de saúde que atinge Corumbá - cidade localizada cerca de 430 km de Campo Grande e que faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai - parece não ter solução à curto prazo, especialmente quando vemos uma quantidade significativa de incidentes neonatais com resultados de óbito que chama atenção na Cidade Branca, causando indignação na população local, expondo o descaso e o desleixo que a saúde pública vem sendo tratada na região, nos últimos anos.

CIRURGIAS

A última dessas tragédias aconteceu com Eneliz da Silva Cunha (30), que estava grávida de 7 meses. Eneliz passava por uma gravidez de risco porque algumas horas antes havia feito cirurgia de emergência para retirada de apêndice e usava medicamentos para doenças respiratórias como asma.

Segundo a mãe de Eneliz, Elisângela Cunha, por volta das 17h os médicos ligaram para sua casa pedindo que os pais comparecessem  no CTI da Santa Casa de Corumbá, pois sua filha se encontrava internada.

Santa Casa de Corumbá é o único hospital público da região. | Créditos: Fábio Marchi / MS Diário

“E aí os médicos conversaram com a gente, falaram que iam fazer uma cirurgia nela para retirada do bebê. E como ela já estava de gestação de 7 meses, o que o doutor falou que ia tentar salvar a vida dela porque a situação dela já era grave.”

Segundo a família de Eneliz, ela passou por atendimento na manhã de terça-feira e o bebê que ela esperava chegou a ficar vivo por 3 horas, lutando bravamente pela vida, em uma incubadora simples - mas não resistiu. De acordo com sua mãe, o bebê precisava de UTI neonatal para continuar o tratamento, mas a maternidade de Corumbá não tem os equipamentos necessários. Elisângela desabafa:

“E o meu netinho já estava de 7 meses. A minha filha eu entendi a questão do que aconteceu, o que aconteceu com ela, mas eu gostaria de entender, saber o por quê que o meu neto não conseguiu sobreviver. Eu perdi duas vidas. Perdi duas vidas, a minha filha e do meu neto. Eu poderia ficar pelo menos com uma, entendeu? E o que ocorre, o que está acontecendo aqui em Corumbá? A gente precisa com urgência de uma UTI neonatal.

Quantos bebês a gente vai precisar perder?
Quantas mães vão precisar ficar sem os seus bebês no braço?
Os avós sem os seus filhos?”

DESABAFO DE PAI

O pai de Eneliz, publicou um depoimento emocionante nesta quinta (15), nas redes sociais. Entre suas palavras, o Sr. Neilton expressa angústia e angústia e indignação com as autoridades locais, especialmente o prefeito e os vereadores, pela falta de ação para garantir serviços de saúde adequados na cidade. Neilton também lamentou a perda de sua filha e neto devido à negligência e falta de infraestrutura médica, confira:

“Eu perdi uma filha, eu perdi um neto, e até agora não entrou na minha cabeça. Minha filha entrou feliz, com saúde, dentro de uma maternidade, e saiu de lá em um caixão, ela e meu neto.”

O Sr. Neilton não mediu palavras para expressar sua indignação com os políticos e autoridades locais, de Corumbá:

“E esse recado aqui vai para você, não vou falar "senhor" porque não merece. Até quando, prefeito? Até quando você vai deixar morrer anjos nessa cidade que você está administrando? Cadê os vereadores? Essa coisa de vereador, que não faz nada, que não faz nada. Se eu tivesse o meu neto aqui, pelo menos ele estaria vivo. Prefeito, até quando você vai ficar matando crianças nessa cidade? Até quando? Se fosse o seu neto, você teria condições de pegar um avião, um trem, um navio, e estar nos melhores médicos, no melhor hospital. Eu não tenho isso aqui, povo.”

E clama por Justiça:

“Compartilhem esse vídeo para chegar a uma mesa de autoridades, a um promotor, a um defensor, para ajudar a população de Corumbá. Chega de morrer criança. Chega de morrer inocentes. A minha filha se foi, eu sei que ela não vai voltar mais. Eu sei que meu neto não vai voltar mais. Vocês têm certeza de que agora vai chegar a eleição, toda essa corja de vereadores vai bater nas suas portas, nas suas casas, mãe grávida. Vão bater nas suas portas pedindo voto, que vão trazer, mas é tudo mentira. Vamos tirar essa corja de vereadores, as panelinhas que não fazem nada. Dinheiro para carnaval vocês têm, dinheiro para saúde vocês não têm. Eu perdi uma filha, perdi um neto. Eu sei o quanto dói.

O pai de Eneliz também fez graves denúncias sobre a estrutura atual do CTI de Corumbá:

“Dói perder uma filha e um neto no mesmo dia. Minha filha entrou tão feliz na maternidade e saiu dentro de um caixão do CTI. Minha filha estava sem fôlego. Não tinha ar-condicionado dentro do CTI, não tinha uma ventilação para minha filha. Minha filha estava puxando o ar, estava sufocada naquele calor. Não tinha um ar-condicionado funcionando, gente! O que é isso? Onde nós vamos? Até quando vamos ver crianças morrerem aqui em Corumbá? Até quando? Eu perdi uma filha, eu perdi um neto. Eu estou doído, nem sei como estou falando aqui.

Então eu peço que compartilhem, para chegar à mesa de uma pessoa, de um raçudo que possa fazer por nós. Um promotor de justiça, um defensor para lutar por nossa causa. Eu já não sei mais o que fazer. Não sei o que pedir para os políticos. Não podemos pedir para políticos, não fazem nada. Agora, na eleição, estão todos batendo às suas portas, suas casas, pedindo voto. Pedindo voto. E aí vocês têm que ver quem é a pessoa que está fazendo isso. Ninguém. Nem vereador, nem prefeito. Ninguém está fazendo nada. Nada. O que aconteceu? O que nós podemos fazer? 
Não olham para a população. Eu perdi um neto, eu perdi uma filha. Está doendo muito.

Eneliz tinha 30 anos e faria aniversário em março.
Ela deixa uma filha de 13 anos.

Confira o depoimento emocionante do Sr. Neilton, aqui:

A UTI NEONATAL: A PROMESSA QUE NUNCA CHEGA

Embora anunciada há mais de 10 anos, a construção de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal para salvar a vida de bebês que nascem prematuros ou com outras complicações graves em Corumbá, nunca chegou a sair do papel e por isso, os moradores das cidades de Corumbá e Ladário enfrentam uma longa jornada em busca de atendimento para bebês, uma vez que nem mesmo na rede particular local há uma UTI neonatal disponível.

A promessa de construir essa unidade foi feita pelo ex-prefeito Ruiter Cunha, já falecido, que chegou a lançar uma licitação em 2013 para contratar uma empresa para realizar a obra. No entanto, o processo foi cancelado após pedido da procuradoria jurídica da Secretaria Municipal de Saúde, conforme publicação no Diário Oficial do Município.

Uma nova tentativa foi feita em 2016 e a verba saiu no final de 2017, quando a cidade estava prestes a receber um empréstimo de R$ 40 milhões do Fundo Financeiro Para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA). Parte desses recursos seria destinada para melhorar o atendimento a bebês com quadros graves e uma UTI Neonatal estava nos planos originais do projeto idealizado.

MARCELO IUNES TIROU A UTI NEONATAL DO FONPLATA

No entanto, o atual prefeito de Corumbá, Marcelo Iunes, que assumiu após a morte de seu antecessor, afirma que a UTI Neonatal não foi incluída como projeto do Fonplata, nem consta como obra prevista em contrato. "Em momento algum foi feito um documento, alguma relação de que isso seria colocado como contrapartida", disse Marcelo Iunes em reportagem à um jornal campograndense. Porém, a matéria está no próprio site da Prefeitura de Corumbá, como vista no endereço deste link e no print abaixo:

Anúncio de construção de UTI Neonatal consta no site da própria Prefeitura de Corumbá. | Créditos: PMC

O video de apresentação do FONPLATA, também mostra que a UTI NEONATAL de Corumbá estava nos projetos originais, que Marcelo Iunes “reformulou”(a parte da saúde está no momento 3:55 em diante)

Após assumir o cargo, Iunes “revisou” os planos de utilização dos recursos do FONPLATA, priorizando obras de infraestrutura urbana , especialmente asfalto de qualidade duvidosa, em detrimento de projetos na área de saúde. Isso resultou na ausência de investimentos na UTI neonatal ou em outras estruturas de saúde.

Em outra tentativa de proporcionar esperança à comunidade, o governo estadual de Mato Grosso do Sul anunciou que parte dos R$ 11,9 milhões repassados ao município em 2018 seria destinada à construção da UTI neonatal. No entanto, os registros do Portal da Transparência estadual indicam que esse dinheiro foi direcionado para outras obras na Santa Casa, incluindo a construção de um Pronto Socorro e a reforma da recepção e do centro obstétrico, que ainda está em andamento.

PREFEITO NÃO QUER GASTAR COM SAÚDE

Marcelo Iunes é um dos raros gestores do Estado que não quer a construção de um Hospital Regional na cidade - e já deixou bem claro isso em diversas entrevistas em rádios e podcasts.

Segundo Iunes, a construção de um Hospital Regional mantido pelo Estado em Corumbá inviabilizaria a existência da Santa Casa - que hoje é mantida com recursos estaduais, federais e municipais - e joga a culpa no Governo do Estado, dizendo que “a UTI Neonatal não existe, porque não existe contrapartida do Estado”.

Segundo o prefeito tucano, uma UTI neonatal custaria, em média, R$ 400 mil por mês - mas Marcelo Iunes não economiza na folha de pagamento dos funcionários comissionados no Executivo, que segundo ele próprio “dobrou a folha de pagamento da Prefeitura” para R$ 28 milhões mensais, “porque isso seria benéfico para o comércio local”. Confira o vídeo abaixo:
 

ALERTA VERMELHO PARA O PRÉ-NATAL DE CORUMBÁ

O MS Diário conversou com alguns médicos das áreas pediátrica e obstétrica (que não quiseram se identificar, por temer represálias) e que segundo suas observações profissionais, provavelmente estão ocorrendo falhas nos pré-natais da rede pública municipal.

Citam por exemplo, “data marcada” nos postos de saúde de Corumbá para cadastro de gestantes no sistema:

“Quando uma mãe descobre que está grávida e chega em um posto de saúde para fazer seu cadastro, ela é impedida pelos funcionários, pois “existe uma data específica na semana para isso”. Muitas mães trabalham ou tem vários afazeres que impedem ela de retornar na data marcada - e assim, exames importantes deixam de ser realizados.” - disse um(a) médico(a).

Outro(a) médico(a) também relata o déficit de profissionais para gestações de alto risco e da falta de treinamento dos médicos novos que ingressam no sistema de saúde municipal:

“Existem apenas dois profissionais cadastrados no sistema de saúde municipal e mesmo assim, não estão presentes 100% na cidade, um deles inclusive bate ponto boa parte da semana em Terenos - com post na rede social e tudo. Como atender uma população como a de Corumbá com apenas dois médicos?

E depois tem a questão do treinamento, tem muito médico e médica que chega aqui “cru”, não sabem nem intubar um paciente, são inexperientes e tremem na base quando vêem uma situação de risco - e acabam ficando dependentes de um profissional mais antigo, experiente. Esse profissional mais antigo acaba se desgastando, também - porque acaba tendo que fazer o trabalho dos novatos e novatas, além do seu próprio trabalho.

Então esse pessoal novo não sabe identificar uma gravidez de risco, não está olhando para o histórico de uma mãe que já perdeu um, dois bebês. O que está acontecendo? Qual problema precisa ser resolvido para aquela mãe ter um bebê? O pré-natal evita uma série de problemas que só vão aparecer na hora do nascimento, quando geralmente não tem mais conserto, não dá mais para remediar”. 
 

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