TRE: Prefeito de Corumbá Marcelo Iunes e dois comparsas viram réus por crimes eleitorais

A ação criminal por compra de votos é resultado direto da "Operação Mercês" - deflagrada pela Polícia Federal em Setembro de 2021 e que teve origem no flagrante de crime eleitoral de um dos principais assessores de Iunes.

A Secretária-Adjunta de Saúde de Corumbá, Mariluce Leão / Prefeito Marcelo Iunes (PSDB) / Marconi Júnior, vulgo "Macaco" - Diretor Presidente da Agência Portuária Municipal | Créditos: Redes sociais / Divulgação
Justiça

Corumbá - A investigação desencadeada pela Operação Mercês (30/09/2021) em Corumbá/MS, acabou revelando um esquema eleitoral fraudulento que envolveu autoridades, políticos e agentes públicos, com o intuito de angariar apoio e votos para a reeleição do então prefeito Marcelo Aguilar Iunes (PSDB), durante o pleito de 2020. Com uma farta documentação de provas exibidas na peça processual apresentada pela Polícia Federal em Corumbá, a Procuradoria Regional Eleitoral do Ministério Publico Federal não teve dúvidas da gravidade e da veracidade do caso, aceitando a denúncia oferecida e tornando o prefeito Marcelo Iunes e dois dos seus principais assessores, réus por crimes eleitorais.  

"PEGARAM O MACACO"

Em 04 de Outubro de 2020, cerca de uma semana e meia das Eleições Municipais daquele ano, o então assessor do gabinete do prefeito de Corumbá, Marconi de Souza Júnior, vulgo "Macaco", na época um dos assessores mais próximos do prefeito Marcelo Iunes (era Assessor-Executivo II e hoje ocupa o cargo de Diretor-Presidente da Agência Municipal Portuária), foi abordado pela Polícia Federal e acabou sendo preso em flagrante por crime eleitoral: naquele momento, ele portava uma quantia considerável em dinheiro separado em pequenos maços de R$ 250 reais cada, listas com vários nomes e dados eleitorais de eleitores e até mesmo requisições para exames de saúde. Nervoso, naquele momento "Macaco" declarou à Polícia Federal que auxiliava a campanha à prefeito de Marcelo Iunes "sem remuneração" e que a quantia apreendida, "algo em torno de R$ 8.000 a 9.0000 reais" (ele não sabia o valor exato que carregava consigo), e segundo ele, seria para "custear a reforma da sua casa, para pagamento do serviço de pedreiros". "Macaco" também disse na época que carregava o dinheiro em "bloquinhos" porque "ele teria hábito de carregar o dinheiro assim".

Mais tarde, durante seu depoimento em Setembro deste ano à Polícia Federal, Marcelo Iunes disse que soube que seu assessor havia sido preso naquela ocasião pouco tempo depois da ação policial, quando "pegaram o Macaco" - em suas palavras - e que ficou "espantando" e "surpreso" com a quantidade de dinheiro que Marcelo carregava.    

LISTAS, EXAMES E BLOQUINHOS DE DINHEIRO

Em relação ao dinheiro encontrado na posse de "Macaco", de acordo com a PF foram encontrados R$ 7.750,00 reais em dinheiro vivo e dividido em porções de R$ 250 reais cada. Junto com o dinheiro estavam anexados bilhetinhos contendo os nomes de eleitores, seus telefones e bairros onde moravam. Com o assessor do prefeito Marcelo Iunes também foram encontradas uma planilha com número do título de eleitor, seção e zona de dezenas de eleitores corumbaenses, além de santinhos e adesivos de Marcelo Iunes e de um candidato à vereador: para a PF, o crime eleitoral estava consumado.

Celular

Também segundo as informações do inquérito policial da PF, depois de ser abordado pelos policiais federais e quando estava sendo  conduzido para a delegacia da Polícia Federal de Corumbá, "Macaco" tentou se livrar do seu aparelho telefônico, atirando-o pela janela mas a tentativa de desfazer-se do seu celular foi frustrada pelos policiais que o acompanhavam. Já em seu segundo depoimento, realizado em 25 de Agosto desse ano, "Macaco" disse que "não tentou desfazer-se do aparelho, que ele apenas havia caído da sua mão", mas ficou em silêncio para praticamente todas as outras perguntas realizadas pela Delegada da Polícia Federal responsável pelo caso, Dra. Vivian Maria Moreira Giordano.


Dinheiro e papéis com nomes e contatos de eleitores, encontrados no porta-luvas de "Macaco", quando interceptado pela Polícia Federal de Corumbá. | Imagem: Polícia Federal de Corumbá


Quantia em dinheiro que foi encontrada no bolso de "Macaco", quando o mesmo foi abordado pela Polícia Federal. Notas estavas "arrumadas" em quantias de R$ 250,00 reais. | Imagem: Polícia Federal de Corumbá

SILÊNCIO DE "MACACO" NÃO ADIANTOU MUITO

Ainda que Marconi não quisesse falar à polícia, a perícia do aparelho telefônico de "Macaco" deu à Polícia Federal uma farta variedade de provas, entre mensagens, vídeos, imagens e fotos entre fevereiro de 2019 e novembro de 2020, que demonstram de forma clara o envolvimento do prefeito Marcelo Aguilar Iunes, do próprio Marconi de Souza Junior, o “Macaco” - e a técnica de saúde Mariluce Gonçalves Leão (e que hoje ocupa o cargo comissionado de Secretária-Adjunta de Saúde em Corumbá). Todos os três agora são formalmente indiciados como réus pelo MPF - PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL de terem oferecido dinheiro, dádivas e outras vantagens em troca de votos para a campanha de reeleição de Iunes, pelo PSDB.

A investigação conseguiu demonstrar em detalhes, em que pelo menos 07 crimes onde dinheiro foi oferecido, 07 favores foram realizados e pelo menos outras 10 vantagens comprovadas para eleitores, com o fim específico de obterem votos para Marcelo Iunes, no pleito daquele ano. O inquérito também descobriu, no rumo das investigações, que pelo menos 07 pessoas que foram contratadas para trabalhar em sua campanha de reeleição à prefeito, mas não foram registradas na Justiça Eleitoral.


Adesivos e santinhos que foram encontrados juntamente com o restante do material e dinheiro apreendidos com "Macaco", assessor de Marcelo Iunes, na época. | Imagem: Polícia Federal de Corumbá


Listas de eleitores com informações de pagamento, encontradas no banco do carona de "Macaco". | Imagem: Polícia Federal de Corumbá

EXAMES POR VOTOS

O modus operandi ia além da simples troca de dinheiro por votos: o esquema envolvia até mesmo a realização antecipada de exames médicos, muitos deles executados no CITOLAB. Com nome fantasia CITOLAB Laboratório Clínico, essa empresa tinha dois proprietários até 2017: José Batista Aguilar Iunes e Amanda Cristiane Balancieri Iunes, respectivamente irmão e esposa do prefeito.

Em maio de 2017, Amanda Iunes deixou a sociedade, restando somente José Batista. Desta forma, a empresa mudou de nome: de A.C.B. Iunes (iniciais de Amanda) para J.B.A. Iunes (iniciais de José). Marcelo Iunes assumiu a prefeitura de Corumbá em novembro de 2017, após a morte do prefeito Ruiter Cunha. Esse mesmo laboratório, mesmo tendo o irmão do prefeito como dono, chegou a receber R$ 982 mil reais da Prefeitura até meados de 2020 - quando teve seu contrato com a prefeitura suspenso pela Justiça.

Na investigação, descobriu-se que as "trocas" de exames por votos eram coordenadas por Marconi "Macaco", que, dependendo do pedido, providenciava as benesses ou encaminhava demandas à Mariluce Gonçalves Leão, a responsável pela autorização dos procedimentos na Central de Regulação da Saúde.

As investigações comprovaram que os exames seriam pagos normalmente pela prefeitura com recursos públicos, mas eram entregues à população a título de “favor” ou “caridade” por parte dos agentes públicos, que solicitavam apoio político ao povo, em contrapartida.



A PF não conseguiu identificar a real identidade deste perfil. | Imagem: PF/MPF

ESQUEMA "MACACO"-LEÃO

De acordo com a Polícia Federal, o esquema entre "Macaco" e Mariluce Leão era da seguinte forma:

Interessados na compra de votos, alguns vereadores e candidatos à vereadores do município - além do próprio Prefeito Marcelo Iunes - assim que recebiam os pedidos, sejam eles de dinheiro, sacolões, favores ou outras vantagens, repassavam essas demandas para o Marconi "Macaco" Junior , um dos principais operadores do esquema. Dependendo da demanda, "Macaco" repassava a mesma para quem tinha a responsabilidade de resolver o assunto, dentro da quadrilha. Quando os pedidos eram de exames e solicitações relacionados à saúde, como cirurgias e procedimentos de saúde, "Macaco", repassava a demanda para Mariluce Leão, que era a responsável pela autorização na Central de Regulação ("Casa Verde"), dos exames e procedimentos a serem realizados no CITOLAB pelo SUS ou ainda, por laboratório particular terceirizado - quando o CITOLAB não conseguia realizar tais exames, mas tinha a promessa de voto dos seus potenciais eleitores. Até uma ambulância foi providenciada nesse período, por meio desse esquema.

Em determinados trechos de conversas entre "Macaco" e Mariluce Leão, a gestora relembra o comparsa sobre os procedimentos que devem ser realizados dentro do esquema criminoso:

"Marconi, todos esses exames aí têm que passar na guia do SUS, igual eu te falei, não tem como fazer nada. Essas guias quando o pessoal mandar pra você, você já avisa 'ó, tudo para atender pelo SUS, só pela guia do SUS' e não tem como fazer nada, nada, nada, é... assim... nós... o que que eu combinei com o Marcelo, até para atender todos os vereadores, eles têm que vir com a guia pronta, a guia do SUS, pra gente poder atender, tá? Até conversei com ele, porque está vindo muita guia da Facilmed, do Hospital de Olhos, não tem como atender. Quando a pessoa falar com você, você já orienta: 'ó traz a guia do SUS que, pra gente atender pelo SUS, é só SUS, tá?'. É, e esses exames você lembra que eu te falei tem que ser pelo especialista, eu vou tentar ver, mas tá pra final de... tá pra setembro, pra final de setembro. Eu vou ver se a gente consegue agendar alguma consulta, mas todo mundo que pedir pra você, você já orienta, tá?”

Mariluce também orienta Marconi "Macaco" a apagar a conversa em diversas ocasiões - o que não foi feito - indicando que todos os réus sabiam da ilicitude dos seus atos, aliás, uma atitude recorrente de todos eles, nos diálogos recuperados pela perícia da Polícia Federal.
 


"Depois apaga" - comportamento é comum entre os indiciados, na tentativa de ocultar o ilícito, mas a Polícia Federal usa um software especial que recupera arquivos apagados, então não adiantou muita coisa. | Imagem: Polícia Federal de Corumbá


Requisição de exames médicos que foram encontrados em posse de "Macaco", durante abordagem da Polícia Federal, em 04 de Novembro de 2020. | Imagem: Polícia Federal de Corumbá


Marconi "Macaco" Junior e Estácio "Batatinha", assessores diretos de Marcelo Iunes na época da apreensão da Polícia Federal. | Imagem: Rede Social / Divulgação

O CÚMULO DO DEBOCHE: VOTO POR MARMITEX

Na investigação realizada pela Polícia Federal, ficou evidente que os operadores desse esquema criminoso sentiam-se tão à vontade com o crime, que até brincavam e tiravam sarro entre si sobre a compra de votos. Em determinada ocasião, o Marconi "Macaco" conversa com outro assessor do Prefeito Marcelo Iunes, o Estácio Muniz da Silva Santos, vulgo "Batata" ou "Batatinha".  No diálogo, "Macaco" diz para "Batatinha" que está no CoHab. Padre Ernesto Sassida e que ele deveria passar lá para visitar os eleitores do seu candidato ( "Batata" estava coordenando a campanha de um vereador do esquema do Prefeito ) e reforça para “Batatinha” comprar dois marmitex, pois já tinha arrumado eleitores para o vereador dele e ainda, brinca dizendo que foi “barato”, ao mencionar que esses eleitores iriam votar no candidato indicado em troca de apenas dois marmitex.

Em outro diálogo, "Macaco" diz para "Batatinha", após "Batatinha" mostrar a foto de um computador com o que parece ser sua planilha de pagamentos eleitorais:

"Se a Federal bater aí e pega esse computador, aí também cai a 'casita', né?" - e riem.


Os dois assessores, "Macaco" e "Batatinha" chegaram a brincar com a hipótese da Polícia Federal ter acesso à esse computador da imagem, com os dados de pagamentos que "Batatinha" gerenciava - e que isso seria um grande problema. | Imagem: Polícia Federal de Corumbá


Mariluce Leão e Marcelo Iunes, em Fevereiro de 2020. | Imagem: Reprodução / Redes Sociais

QUEM VAI, QUEM FICA

Mariluce Leão também não fica atrás. Ao lado de Marconi e também uma das principais operadoras do esquema criminoso de corrupção eleitoral junto à Central de Regulação, segundo a Polícia Federal, Mariluce detinha o poder de autorizar ou não quem poderia fazer determinados exames ou encaminhamentos na repartição pública - algo que poderia ser facilitada para o eleitor, pela troca de votos em Marcelo Iunes, geralmente fazendo voto casado com algum dos seus vereadores cupinchas.

No dia 16/09/2020, em plena campanha eleitoral, Mariluce enviou para Marconi "Macaco" cinco vídeos de pessoas "elogiando" a gestão do Prefeito Marcelo Iunes, pessoas estas que foram beneficiadas pela sua "eficiência" e "cuidado com o povo" - pessoas que receberam seus "benefícios" pelas mãos da gestora.


Pessoas eram constrangidas e obrigadas a reproduzirem imagens "de apoio" para receberem dinheiro e benefícios - é o que revela as investigações da Polícia Federal de Corumbá. | Imagem: Polícia Federal de Corumbá

CABOS ELEITORAIS FANTASMAS

Na investigação da Polícia Federal, também foi constatado durante as diligências que das 13 pessoas mencionadas ou citadas em conversas, listas e planilhas apreendidas e em depoimento disseram que trabalharam em troca de dinheiro para a campanha da reeleição de Marcelo Iunes em 2020, porém sete delas não constam na prestação de contas do candidato.

VEREADORES E OUTROS CITADOS AINDA PERMANECEM COMO INVESTIGADOS

A estratégia da Procuradoria Regional Eleitoral parece ser desmembrar o processo em várias partes. Ainda que pelo menos três vereadores, candidatos e outros agentes públicos apareçam com frequência nas conversas de "Macaco" e as ações verificadas pelos agentes tipifiquem crimes, por enquanto eles ainda não se tornaram réus - o que não significa que isso não aconteça, no futuro.

QUEM VENDE O VOTO TAMBÉM É CRIMINOSO

As pessoas que apareceram nas conversas e que de alguma forma foram beneficiadas por esses crimes também podem ser indicadas e responder criminalmente por ser um agente de corrupção eleitoral passiva, a parte que recebe benesses e vantagens do elemento corruptor - mas também ainda permanecem como investigados para a Procuradoria Regional Eleitoral e para a Polícia Federal.

DENÚNCIA À JUSTIÇA ELEITORAL

E foi assim, com esse esquema de troca de favores usando a máquina pública e em especial o SUS para a corrupção eleitoral, que Marcelo Aguilar Iunes, Mariluce Gonçalves Leão de Almeida e Marconi de Souza Junior - o "Macaco" utilizaram-se fartamente do sistema municipal de saúde de forma abjeta e ilícita para seus objetivos de controle e poder.

Com fartas provas e material documentado, a Procuradoria Regional Eleitoral acabou convencendo-se que o prefeito Marcelo Aguilar Iunes, além de outros políticos e vereadores, se beneficiou diretamente desse esquema, utilizando recursos públicos para garantir apoio político e votos para sua reeleição. A proximidade com o chefe do executivo municipal favoreceu também vereadores, aumentando suas chances de eleição ou reeleição no pleito de 2020.

Seguem trechos da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, do MPF:

"Em detida análise aos autos, conforme peças oferecidas em apartado, verificou-se indícios suficientes das autorias e materialidades da prática dos crimes de corrupção eleitoral (art. 299, CE) e falsidade ideológica eleitoral (art. 350, CE), motivo pelo qual a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL denunciou os agora réus MARCELO AGUILAR IUNES, MARCONI DE SOUZA JUNIOR e MARILUCE GONCALVES LEÃO como incursos nas penas dos referidos artigos."

Ante todo o exposto, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL em Mato Grosso do Sul denuncia MARCELO AGUILAR IUNES como incurso, por 24 vezes, nas penas do artigo 299 do Código Eleitoral; bem como, por 07 vezes, nas penas do artigo 350 do Código Eleitoral ...e, ao final do processo, seja o acusado condenado pela prática dos crimes a ele imputados.  

De igual forma, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL em Mato Grosso do Sul denuncia MARCONI DE SOUZA JUNIOR como incurso, por 24 vezes, nas penas do artigo 299 do Código Eleitoral; pelo que requer seja o denunciado notificado para apresentar resposta à acusação, com posterior recebimento da presente denúncia, bem como sejam ouvidas as testemunhas abaixo arroladas, em audiência, na forma dos artigos 4o e seguintes da Lei n. 8.038/1990, com aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, e, ao final do processo, seja o acusado condenado pela prática do crime a ele imputado.

Por fim, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL em Mato Grosso do Sul denuncia MARILUCE GONCALVES LEÃO como incursa, por 06 vezes, nas penas do artigo 299 do Código Eleitoral; pelo que requer seja a denunciada notificada para apresentar resposta à acusação, com posterior recebimento da presente denúncia, bem como sejam ouvidas as testemunhas abaixo arroladas, em audiência, na forma dos artigos 4o e seguintes da Lei n. 8.038/1990, com aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, e, ao final do processo, seja a acusada condenada pela prática do crime a ela imputado.

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