Prefeito de Corumbá Marcelo Aguilar Iunes (PSDB) e a sessão da Câmara Municipal onde o projeto tinha sido aprovado e encaminhado para sanção do Executivo. | Créditos: Fábio Marchi
Publicado em: 19 de Junho, 2024 | Fonte: Fábio Marchi
Corumbá - O clima em Corumbá está sombrio - não pela fumaça provocada pelas queimadas, mas por conta de um veto realizado nesta terça-feira (18) no Diário Oficial de Corumbá, onde o Prefeito Marcelo Aguilar Iunes (PSDB) vetou um projeto de lei - inicialmente de autoria do Vereador Alexandre Vasconcelos (PSDB) - e enviado pela Câmara Municipal, onde a categoria de Enfermagem teria sua jornada de trabalho reduzida para 30 horas semanais. Em conversa com representantes da área, a categoria vê com desrespeito o tratamento que o Executivo dá aos profissionais de saúde:
Projeto foi aprovado pelos 15 vereadores da Câmara Municipal de Corumbá. | Créditos: Ana Marchi
“Então vai pra votação dia 25 e a gente tá mobilizando aqui os profissionais pra ir pra Câmara Pra gente fazer nosso movimento de novo, vamos mandar nas redes sociais, eles tão pressionando os vereadores E aí a gente vai lá, mesmo com a gestão dele manipulando alguns profissionais, muita gente tá se sentindo perseguido, ameaçados” - disse um profissional da enfermagem que não quis se identificar.
E emenda:
“Ele (o Prefeito) coloca aí que é inconstitucional, sendo que nas outras cidades dentro do Brasil já tem, né?
E não é inconstitucional, porque na realidade ele não quer dar mesmo as 30 horas para a enfermagem.
E é muito revoltante, porque ele chamou quatro vereadores lá no dia da reunião com a enfermagem, só da rede de urgência e emergência, e alguns profissionais estão se sentindo ameaçados, né? Nós estamos montando um sindicato e alguns estão sendo pressionados, outros estão “fazendo a cabeça”. Também soubemos que ele já está articulando com os vereadores para o veto dele não ser derrubado na Câmara, então está bem complicado.”
Prefeito de Corumbá, Marcelo Aguilar Iunes (PSDB) | Créditos: Arquivo: MS Diário
ENTENDA O PROJETO DAS “30 HORAS” EM CORUMBÁ
No dia 27 de maio, a Câmara Municipal de Corumbá aprovou por unanimidade um Projeto de Lei de autoria do vereador Alexandre Vasconcellos, que reduz a carga horária dos profissionais de enfermagem de 40 para 30 horas semanais.
A proposta, que havia sido retirada da pauta na semana anterior para um debate mais aprofundado, foi reapresentada com uma emenda aditiva. Esta emenda, incluída no artigo 1º do Projeto de Lei - Processo nº 049/2024, especifica que todos os profissionais do município que atuam na Rede de Urgência e Emergência, incluindo aqueles lotados nas UPAs, Pronto Socorro e SAMU, serão beneficiados com a jornada reduzida a partir de junho de 2024.
Para os demais profissionais da rede municipal direta e indireta de enfermagem que não fazem parte da Rede de Urgência e Emergência (RUE), incluindo farmacêuticos, bioquímicos, auxiliares de farmácia e técnicos de laboratório, a nova jornada de 30 horas semanais será implementada a partir de 1º de janeiro de 2025.
A emenda recebeu o apoio de 11 dos 15 vereadores de Corumbá: Alexandre Vasconcellos, Ubiratan Canhete de Campos Filho (Bira), Yussef Salla, Manoel Rodrigues, Chicão Vianna, Elinho Junior, Samyr Sadeq Ramunieh, Allex Dellas, Luciano Costa, Nelsinho Dib e Raquel Bryk.
O Projeto de Lei, inicialmente apresentado em 22 de abril, é fundamentado na Constituição Brasileira, que em seu artigo 7º, inciso XIV, estabelece uma jornada de seis horas para trabalhos realizados em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.
“A jornada de 30 horas não é um privilégio ou corporativismo. A enfermagem é uma profissão que necessita de condições especiais para uma prática segura, garantindo a segurança do paciente e do profissional”, afirmou Vasconcellos.
O vereador destacou a alta demanda e a natureza imprevisível do trabalho na Rede de Urgência e Emergência, incluindo o SAMU, o Pronto Socorro Municipal e a UPA 24 Horas, o que torna o serviço extremamente desgastante para a categoria. Além disso, mencionou os riscos biológicos e químicos, a carga emocional e física, e as condições de trabalho muitas vezes adversas enfrentadas pelos profissionais de saúde.
Vasconcellos argumentou que a jornada reduzida proporcionará melhor qualidade de vida para os trabalhadores da saúde e, consequentemente, melhor atendimento à população.
"Estamos falando de segurança do paciente. A regulamentação das 30 horas de trabalho para a enfermagem significa mais saúde para todos", concluiu.
Ele também citou uma nota do Fórum Nacional das 30 Horas, que defende a implementação da jornada reduzida, já adotada por cerca de 10 estados e mais de 100 municípios brasileiros, além de diversas instituições de renome, através de decretos municipais ou leis estaduais e municipais.
Alegria da Enfermagem corumbaense durou pouco: Prefeito Marcelo Iunes vetou o projeto na tarde de ontem (18). | Créditos: Ana Marchi | (MS DIário)
POR QUÊ “30 HORAS” PARA A ENFERMAGEM?
A enfermagem é uma das profissões mais desgastantes física e mentalmente na área da saúde - e em Corumbá, a sensação de desgaste é maior, porque a quantidade de profissionais de saúde no setor público está defasada, por conta do atendimento extra que é realizado para os povos de fronteira e emigrantes. É também o maior corpo profissional do setor e o segundo maior entre todas as profissões. A apreciação e aprovação da redução da carga horária de trabalho podem melhorar a qualidade de vida desses profissionais, criar mais postos de trabalho, reduzir doenças ocupacionais, como LER/DORT e transtornos psíquicos, além de aprimorar a qualidade da assistência prestada aos usuários dos serviços de saúde.
Atualmente, apenas a Ásia e a América Latina mantêm jornadas superiores a 40 horas semanais, com salários até sete vezes menores do que em países como Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra. O desgaste dos profissionais de enfermagem é evidente, resultando em sérias iatrogenias e acidentes diversos. As doenças ocupacionais são comuns entre esses profissionais, evidenciando a diferença de tratamento entre profissionais de saúde em muitas instituições.
Embora uma menor carga horária possa parecer um custo adicional para os serviços de saúde, ela resultaria em redução de custos relacionados ao turnover, evasão profissional, acidentes e doenças ocupacionais, além de outros problemas gerenciais, como desperdício de material e falhas assistenciais decorrentes do desgaste profissional. Por isso, a proposição de uma carga horária reduzida para o bem-estar desses profissionais essenciais.
Recomendações da OMS e da OIT
A recomendação de uma carga horária de 30 horas não é nova. Tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomendam essa medida há muito tempo. O próprio trabalho dos profissionais de enfermagem exige o estabelecimento de uma carga horária máxima. A exposição constante a doenças, morte e emoções negativas tem sérias implicações psíquicas e físicas. Trata-se de uma profissão especial que requer condições adequadas para o seu exercício.
Além disso, a qualificação contínua desses profissionais demanda tempo, algo muitas vezes inviável devido ao excesso de trabalho. Frequentemente, eles enfrentam condições insalubres e perigosas, justificando a necessidade de redução do tempo de exposição a patógenos fatais e outros riscos. Não há impacto orçamentário significativo que justifique a manutenção das jornadas exaustivas em detrimento da vida desses profissionais.
Tramitação do Projeto de Lei
Mais de 320 movimentações foram registradas na ficha de tramitação do projeto de lei que propõe a carga horária de 30 horas para a enfermagem, com cerca de 300 requerimentos para sua apreciação nos últimos 20 anos. Isso nos leva a questionar as forças contrárias à sua aprovação. Não há comprometimento com o veto ao projeto, apenas falta de conclusão, prolongando a esperança de uma classe inteira.
Quando um profissional de enfermagem comete um erro, as condições de trabalho e a carga horária não são consideradas pela sociedade e pelas instituições. A assistência à saúde ainda é vista por muitos como uma devoção religiosa ou espiritual, o que não condiz com a realidade de uma sociedade que estratifica profissões e funções sociais.
VIABILIDADE LEGAL
A jornada de 30 horas semanais é viável tanto em hospitais quanto na atenção básica à saúde e já foi implementada em várias instituições de saúde de diversas maneiras:
Constituição Federal de 1988
O inciso XIV do artigo 7º da Constituição Federal de 1988 prevê "jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva".
Negociação de Greve
Desde 1996, todos os hospitais do SUS em Santa Catarina adotam a jornada de 30 horas semanais, inicialmente garantida por acordo de greve e atualmente assegurada pela Lei Estadual 323/2006. No Hospital Florianópolis, anteriormente administrado pelo Ministério da Previdência, a jornada de 30 horas semanais foi estabelecida por acordo de greve desde 1984.
Leis Estaduais
Distrito Federal: A Lei nº 4.014, de 21 de setembro de 2007, estipula que a jornada de trabalho dos enfermeiros é de 20 horas semanais a partir de 1º de novembro de 2007.
Rio Grande do Norte: A Lei Complementar nº 333, de 29 de junho de 2006, institui o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos servidores da Secretaria de Estado da Saúde Pública, prevendo no Capítulo 6, artigo 20, item I, uma jornada de trabalho de 30 horas semanais.
Portaria do Ministério da Saúde
A Portaria nº 1.281, de 19 de junho de 2006, autoriza a jornada de trabalho de 6 horas diárias e 30 horas semanais para funcionários de unidades hospitalares sob gestão do Ministério da Saúde.
Decretos
Decreto nº 4.836, de 9 de setembro de 2003: Este decreto altera a redação do artigo 3º do Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995, estabelecendo uma jornada de trabalho de seis horas diárias e 30 horas semanais para servidores da Administração Pública Federal direta, autarquias e fundações federais.
Decreto nº 3.642, de 2 de setembro de 2004: Este decreto do Governador do Paraná institui a Gratificação de Atividade de Saúde (GAS) conforme a Lei Estadual nº 13.666/2002, artigo 18, devido ao caráter penoso, insalubre, perigoso e de risco de vida das atividades desenvolvidas pelos servidores.
De um total de 48 hospitais universitários, que empregam um grande número de trabalhadores de enfermagem, 45,8% já adotaram a jornada de 30 horas semanais, enquanto apenas 22,9% mantêm a jornada de 40 horas.
Comentários